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Quem tem razão?


Quem tem razão? Você conhece esse jogo?

Passamos a maior parte da vida a jogar o jogo da razão. Desde a infância somos educados a estar certos, chegar primeiro, ultrapassar o colega. Aprendemos que o divertido é ganhar e que mais divertido ainda é quando o outro perde. Não é assim no futebol?

Mas nos enganamos, pois no jogo de Quem tem razão, todos perdem.

Neste texto vamos refletir sobre as duas consequências mais tortuosas que envolve o jogo de Quem tem razão: a punição e a recompensa. Vamos conhecer também um outro jogo que nos é natural na vida, porém, por alguns motivos, esquecemos ou deixamos de praticar: é o jogo de fazer a vida maravilhosa!

Você vem?

Sobre as punições e recompensas

Marshall Rosenberg, o criador da Comunicação Não-Violenta, nos proporciona a reflexão sobre o paradigma convencional ao qual vivemos nossas vidas: estamos habituados à visão moralista sobre o que é certo e errado, bom e ruim, feio e bonito. Estes parâmetros são definidos através de uma cultura dominante e pressupõe duas únicas consequências: um perde e um ganha. Quem perde terá de ser punido e quem ganha é recompensado. São dois lados de uma mesma moeda que podem ser gatilhos para que sintamos culpa e vergonha.

Estes processos corretivos passaram a ser adotados quando acreditamos que o ser humano é inatamente ruim e egoísta. Sendo egoísta e ruim, o ser humano somente fará o que é "certo" caso seja recompensado e somente deixará de fazer o que é "errado" caso seja punido. Começamos então a desenvolver um modelo de linguagem violenta, que de tão enraizada, parece ser cada vez mais fácil de praticar.

Alias, o que se faz em culturas de dominação é tornar a violência agradável e corriqueira. Assistimos aos filmes e torcemos para que os heróis matem os bandidos; assistimos aos jornais que confirmam a violência cotidiana. A violência é entretenimento.

Embora pudéssemos fazer a vida maravilhosa a cada instante, acostumamos a jogar o jogo de quem tem razão. Crescemos assim e aprimoramos um dialeto característico, chamado Linguagem do Chacal.

Linguagem do Chacal

A linguagem do Chacal é uma linguagem moralista, que somente reproduz o paradigma ao qual estamos conhecendo aqui. Marshall chama este modelo de linguagem de Comunicação Alienante da Vida - é a comunicação que nos aliena (nos afasta) de nós mesmos e dos outros. Abaixo vou citar exemplos dessa comunicação:

1 - Julgamentos:

O primeiro exemplo da comunicação alienante é o julgamento. Habituados à visão de certo e errado, é comum dizermos "Você não deveria fazer desse jeito!", "Você está errado!", "É muito feio agir assim.".

Comumente, julgamos aquilo que é diferente e estranho ao nosso modo de ser e ver o mundo. É um modo de dizer "Olha só, eu estou certo e você está errado" e isto acaba sendo bem prejudicial para todos os envolvidos: ambos perdem com a desconexão e sentimentos que isto provoca.

Marshall esclarece que é impossível viver uma vida sem julgamentos. Porém, em uma comunicação, temos mais chances de conectarmos com o outro quando conseguimos separar aquilo que pensamos (julgamentos), daquilo que observamos, sentimos e precisamos.

2 - Comparações:

Outro exemplo de linguagem Chacal são as comparações. Eu sei, fazemos isso o tempo todo! "Olha como o seu irmão é inteligente!" é um exemplo clássico. Outra forma de comparar é o típico "Comigo é pior!", logo quando o outro conta um problema.

Posso citar vários outros exemplos de comparações e na maioria das vezes estamos aplicando algum processo corretivo. Nas entrelinhas dizemos como o outro deveria ser ou fazer; ou que o que disse é bobagem, existem coisas piores,

As comparações também nos afasta uns dos outros e o aprendizado que isto passa é um modo de ser cada vez mais inautêntico, regido pelo olhar do outro.

3- Negação de responsabilidade

A negação de responsabilidade é também uma linguagem Chacal muito comum e muito perigosa. Somos especialistas nela: "Eu tive que fazer assim" e "Eu não tive escolha" são exemplos de negar a responsabilidade.

O problema é que a negação de responsabilidade é tão comum que algumas pessoas realmente acreditam que teve que fazer tal coisas e não que escolheu fazer tal coisa. Acreditamos que, ao falar assim, estaremos à salvo da punição. Afinal, "não vou à sua festa de aniversário porque tenho que cuidar do meu filho". Acreditamos que seremos punidos ao atender às nossas próprias necessidades e por isto não dizemos: "Não vou à sua festa de aniversário porque preciso descansar.".

Outra forma de negar a responsabilidade é culpando aos outros pelos nossos sentimentos: "você me deixa com raiva", "estou triste porque você fez isto comigo". Um aprendizado valioso da Comunicação Não-Violenta é a tomada de responsabilidade pelos próprios sentimentos - nossos sentimentos não são causados pelo outro, eles são frutos de nós mesmos quando nossas necessidades são satisfeitas ou não.

4 - Exigências

Por fim, Marshall nos conscientiza de um outro modelo de linguagem Chacal, as exigências.

A Comunicação Não-Violenta é dividida em quatro componentes: observação, sentimento, necessidade e pedido, certo? Na verdade, estes componentes não devem ser vistos como técnicas, mas sim como o fluxo da vida. Quando observo e me conscientizo do mundo a minha volta, quais os sentimentos estão vivo em mim? O que preciso para tornar a vida maravilhosa? Como posso fazer um pedido que enriqueça minha vida?

É o fluxo da vida, que não necessariamente precisa ter esta ordem. Mas quando temos a intenção de conectar com nós mesmos e com o outro, este rio flui e nutre.

Sobre as exigências, há algo que precisamos saber: estamos o tempo todo fazendo pedidos, sejam eles implícitos ou explícitos. Isto quer dizer que nossas ações são estratégias/pedidos que utilizamos para atender as nossas necessidades. E, então, entra em cena outra perigosa linguagem Chacal: as exigências.

As exigências acontecem quando não consideramos a escolha e necessidade do outro; quando fazemos com que o outro sinta culpa ou vergonha diante da sua escolha e o penalizamos por isto. O grande problema é que, muitas vezes, as exigências vem disfarçadas. Falamos com jeitinho: "Faça isso por mim, só dessa vez!", "Empresta seu brinquedo pro seu amigo, você é um bom menino!". Mais uma vez estamos desconsiderando a escolha do outro e o seu fluxo autentico de vida.

Julgamentos, comparações, negação de responsabilidade e exigências estão mais presentes em nossas comunicações do que imaginamos. Estes modelos de linguagem são também chamadas de linguagem estática, por desconsiderar o fluxo e dinamismo da vida e pressupor generalizações.

Contudo, dentro de nós existe o potencial de olhar para o mundo de outra forma: considerando o quão dinâmico ele é! Fazer o mundo e as pessoas livres de nossas opiniões e parâmetros sobre o que é certo e errado é respeitar e acolher as suas necessidades. Esta é a Linguagem da Girafa =)

Linguagem da Girafa

Esta é uma linguagem diferente da que utilizamos no piloto automático ou quando queremos ganhar o jogo. A girafa tem o maior coração do reino animal. Por ter um pescoço longo, seu coração precisa ser grande e forte para conseguir bombear sangue até o cérebro: daí surge a girafa como o símbolo da empatia. Com o coração tão grande assim, a girafa vive um jogo natural e muito mais divertido: Dar de Coração.

Dar de coração, ou Dar natural, é o que faz a vida maravilhosa. Quando escutamos à nós mesmos e aos outros, quando nos desprendemos dos conceitos de obrigação, respeitamos o fluxo de dar e receber que flui naturalmente de dentro de nós.

Camila Marques é psicóloga, especialista em Arteterapia e co-criadora da Escola de Empatia. Há 7 anos realiza treinamentos sobre habilidades de empatia e comunicação. Estuda, vivencia e compartilha a Comunicação Não-Violenta (CNV).


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