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“Que a guerra é uma loucura”: cultura da paz nas escolas e o pedido do Papa Francisco

Faz bastante tempo que eu não escrevo por aqui, no blog da Escola de Empatia, e talvez seja esta uma oportunidade para retomar a passos mais curtos. Me firmar neste lugar de responsabilidade frente aos papeis que assumo em minha vida, faz parte de uma necessidade. Quem escreve aqui é a Camila mãe, psicóloga, facilitadora... sobretudo pessoa que vive o amor pelas escolas e pela educação.


Não há outro motivo para que eu me dedique diariamente a estes papeis senão por acreditar, por ter uma fé que beira ao ingênuo, de que é possível evoluirmos como pessoas e, consequentemente, humanidade. Mas não me abstenho da realidade, ao contrário, ela é meu alicerce.


"Naqueles momentos, olhando para trás, era como se eu considerasse os fatos inimigos potenciais, possíveis mensageiros de desgraça. Levei, sem dúvida, muito tempo até me convencer de que os fatos são sempre amigos. ", disse Carl Rogers em Tornar-se Pessoa, pg. 30.

Parece difícil assimilar tudo o que acontece no mundo e que hoje sabemos tão rapidamente. E, então, algo que não é novo e nem recente acontece de modo diferente. Violência em nossas escolas.


Não é novo e nem recente. A violência sempre repercutiu nas escolas, mas se engana quem acha, simplesmente, que a escola é violenta. Talvez haja uma estrutura que necessita de atualizações, mas dizer que a escola é violenta tem pouca profundidade.


A violência culmina nas escolas: uma criança abusada muito provavelmente vai se manifestar na escola; uma criança abandonada vai comunicar (de diversas formas) na escola; a criança ou o adolescente com problemas não assistidos, não dialogados, vai manifestar no aprendizado, no comportamento.

Não é novo, mas para mim, diferente:


  • O incentivo ao uso das armas, a facilidade e o acesso às armas aos cidadãos e a permissão dada ao Estado para matar em legítima defesa.

  • A utilização pela mídia de tais fatos como um produto, o modo como tais fatos parecem ser transformados em um filme, com holofotes, de modo, em meu julgamento, irresponsável. O consumo desenfreado de notícias pelas famílias e o acesso que as crianças tem a conteúdos que não podem assimilar.

  • A superficialidade das relações, sobretudo familiares; o modo como estamos lidando com a questão do respeito – aos mais velhos (sim, aos mais velhos) e às autoridades, que não são fixas e nem absolutas, mas existem, seja por questão de amadurecimento biológico e existencial, seja por questão de experiência. Um adulto tem autoridade e responsabilidade sobre uma criança; uma professora tem autoridade em uma sala de aula.


Com toda certeza há outros inúmeros motivos para que a situação da violência escolar se diferencie hoje de outros tempos, mesmo que não seja uma novidade. E é nisto que precisamos nos debruçar.


A escola é onde construímos o nosso futuro. Então, que possamos fazer este apelo: chega de violência nas escolas. Precisamos de diálogo, de escuta. Da mesma forma que a escuridão não é combatida com a escuridão, a violência não é combatida com a violência.


“A escuridão não pode expulsar a escuridão, apenas a luz pode fazer isso. O ódio não pode expulsar o ódio, só o amor pode fazer isso.” ― Martin Luther King Jr.

Precisamos de escolas com setores de psicologia, de acolhimento. Precisamos de escolas que, sim, estejam seguras, a segurança é urgente. Mas não transformemos nossas escolas em prisões.


Que possamos fazer mais que ações corretivas. Que possamos escutar as professoras e professores. Valorizá-los. Que os pais não mais incentivem o desrespeito aos professores e saibam: professoras e professores colocam o corpo em risco dia após dia.


Escutei em uma palestra sobre a Abordagem Centrada na Pessoa, que para viver o humanismo e também a não violência, precisa-se colocar o corpo em risco. Fez muito sentido para mim. Mas pensei: não é quando protestamos no sofá, não é quando nos rebelamos na mesa de bar, não é quando protestamos nas redes sociais e nem quando queimamos pneus.


Fiquei pensativa sobre quais seriam as expressões deste corpo em risco e acho que hoje entendo um pouco mais:


Uma professora que vai à escola dar sua aula não é mais, simplesmente, uma pessoa que vai trabalhar. É alguém que buscar eliminar a escuridão com a luz, a violência com a lucidez. É alguém que resiste ativamente.


Por isto, cara leitora e caro leitor, caso tenha um espaço de tempo para continuar a ler, as reflexões a seguir fazem parte de uma conversa que tive em uma entrevista à Rádio América, de Belo Horizonte, na qual comentei algumas falas do Papa Francisco, no pronunciamento que fez clamando “por uma cultura da não violência”.


“Por uma cultura da não violência”, clama Papa Francisco.

Março de 2023, Papa Francisco faz uma oração pelo mundo - para refletirmos sobre os danos do modelo de vida atual. Dentre alguns termos presentes em sua prece estão: não violência, cultura de paz, não descarte.


Eu escuto nesta oração um líder religioso, que não representa, logicamente, todas as vivencias religiosas, mas de uma pessoa que dedica a vida à disseminação da cultura de paz através da religiosidade.


O que será que está acontecendo com o mundo? Toda a violência que vivemos em pleno 2023 beira a loucura, não pode ser justificada, mesmo e sobretudo, em legítima defesa. A grande e desafiadora questão da não violência é justamente esta: rejeitar toda a violência mesmo que seja sob a justificativa da legitima defesa.


Viver a não violência em tempos de paz é muito fácil. Daremos conta de resistir ao medo e, em tempos de guerra, rejeitar a violência?


Não tenhamos medo de sofrer. Que possamos dizer "Olá, escuridão" e compreender o vazio e escassez que há nas profundezas de quem sofre, de quem reage ao sofrimento com violência. Do que careces? Do que precisa? O que deseja conseguir quando age de maneira tão superficial?


"Matar pessoas é superficial demais". escreve Marshall Rosenberg, no livro Comunicação Não Violenta.

Como psicóloga, meu olhar compreende os sofrimentos humanos, as motivações profundas por detrás dos comportamentos vários. Meu olhar compreende a busca das necessidades humanas. Em outras palavras, nós estamos falando de um contexto de sofrimento. E há a importância de constatar que aquele que sofre é o mesmo que repercute a violência.


Sobretudo, precisamos reconhecer a violência que existe em nós e rejeitar a ideia de que a pessoa violenta é aquela pessoa que chamamos de monstro, terrível, desumana. Na verdade, estamos imersos em uma cultura que entretém com a violência, que entretém com os noticiários, que silencia o sentir, a sensibilidade emocional, que até mesmo ridiculariza a vulnerabilidade. Não são outros muito distante de nós. Nós contribuímos para a violência que há no mundo.


Líderes da não violência, como Mahatma Gandhi já acreditavam que a violência mais insidiosa é a que está presente sutilmente no que há de mais comum e naturalizado em nossa vida: nossa comunicação. Veja bem, a violência mais sutil e, ao mesmo tempo, mais presente está incutida nas relações humanas. Por isso, deixo aqui o pedido feito pelo Papa Francisco:


“Façamos da não violência, tanto na vida quotidiana como nas relações internacionais, um guia para o nosso agir. E rezemos por uma maior difusão da cultura da não violência, que implica a diminuição do uso de armas, tanto por parte dos Estados como dos cidadãos.”

Que esperemos menos das instituições e façamos mais como pessoas. Instituições são feitas de pessoas e escolas são feitas de famílias. Que cada família possa se questionar: qual é a nossa responsabilidade, qual é a nossa parte? Que a cada dia possamos olhar nos olhos de nossas crianças e adolescentes e que estejamos disponíveis para escutá-las. Que façamos esforços para matar essa sede de contato!



Camila Marques

Psicóloga, psicoterapeuta e arteterapeuta. Co-fundadora da Escola de Empatia, aprendiz e cultivadora da Comunicação Não Violenta. Apaixonada por Carl Rogers e Rubem Alves; cursou a Formação em Psicologia Clínica na Abordagem Centrada na Pessoa e a Formação em Plantão Psicológico Centrado na Pessoa no CPH-MG; Designer de Sustentabilidade, formada pelo Gaia Education Belo Horizonte; Certificada em Bem estar, Empatia e Felicidade - PUC-RS. É plantonista no Plantão Psicológico do CPH-Minas e psicóloga da Coopeder/MG.

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