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Ouvir X escutar: diferenças e possibilidades


Esses dois verbos são comumente ditos como sinônimos. Mas trazem um sentido bem diferente na prática. O intuito do texto não é se prender ao uso da palavra, mas refletir sobre a postura, significado e diferença das duas ações.

Conhecer o conceito e a etimologia dessas palavras ajudam-nos a compreender o significado de cada uma delas.

Qual é a diferença entre ouvir e escutar?

Segundo o dicionário Houaiss, ouvir vem do latim Audire. As palavras “áudio”, “auditoria”, “audiência” também vêm daí, mantendo mais proximidade com o som original. Conclui-se então, que ouvir é uma capacidade do sistema auditivo, uma capacidade apenas biológica, proveniente da interação do indivíduo com o meio em que ele está. Por exemplo: os barulhos da rua, as falas em uma sala de reunião, aula ou palestra, é a captação sonora dos sons.

Segundo o DR. Luciano Moreira, Otorrinolaringologista pela Universidade Federal de Juiz de Fora, “Ouvir é a capacidade de um dos nossos cinco sentidos fundamentais – a audição – e dependente da saúde das nossas orelhas. Quando em bom estado, nossas orelhas nos permitem captar bem os estímulos sonoros, transformar essas ondas sonoras em estímulos neuronais dentro da cóclea e encaminhá-los ao córtex cerebral. A surdez é uma deficiência da audição e afeta apenas nossa capacidade de ouvir.”

O ditado popular “entrou por um ouvido e saiu pelo outro” define bem o ato de ouvir. Capto o som, mas não tenho uma ação sobre ele.

Escutar vem do latim auscultare, que significa “ouvir com atenção” e que também deu origem à palavra auscultar, muito usada na medicina. A escuta interna: escuta dos órgãos. Já no grego, escutar é homolegein, onde o prefixo homo é “o mesmo”, “igual” e legein está ligado ao “dizer”, ao “diálogo”. Então quem diz escuta o que está dizendo.

Escutar é uma ação, exige escolha. Captamos os sons pelos ouvidos e escolhemos o que fazer com ele. Escutar não é somente uma ação isolada do aparelho auditivo, mas um fenômeno do corpo todo. Escutamos com o corpo, através de sensações, percepções e sentimentos. Ou seja, para escutar preciso compreender e processar o que está sendo captado pela audição. A diferença entre ouvir e escutar se dá depois que recebermos os sons. Rubem Alves, em seu texto Escutatória diz: “Escutar é complicado e sutil.” E logo depois cita Alberto Caieiro: “Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito; é preciso também que haja silêncio dentro da alma”.

A fala de Rubem nos leva a refletir sobre como podemos ter uma escuta plena e ativa.

Como escutar plenamente?

Conforme refletimos, escutar é uma escolha. Então ao escolhermos é preciso:

- Disponibilidade: Preciso estar disponível ao outro, para compreendê-lo. Estar presente com sua fala, checando se não me misturo nela. Na escuta o importante é o que o outro diz, não o que eu penso ou sei.

- Silêncio “dentro da alma”: Escutar é esvaziar-se. Limpar a cabeça para que a fala do outro entre e seja digerida. Não preciso ter respostas pensadas. Ao ouvir sua própria fala o outro encontra suas próprias respostas. Escutar é ser espelho do outro.

- Não julgar: Escuta plena se abstêm dos julgamentos. É um ato amoroso. Não cabe conselhos, nem ideias, nem soluções. Apenas escute. E, quando for solicitada sua opinião, entenda que é apenas a sua opinião. O outro pode estar em um caminho bem diferente do seu.

- Parafrasear: falar ao outro o que escutou ele dizer com suas próprias palavras, mas sem acrescentar suas interpretações. Sempre checando: Foi isso mesmo que você disse? Isso ajuda e fortalece a compreensão e conexão. Escutar é disponibilizar-se a estar com o outro por inteiro.

O que bloqueia a escuta?

- Interromper: qualquer interrupção no momento da escuta, seja com uma fala, perguntas ou com um outro movimento, tende a bloquear a conexão na escuta.

- Distrair-se: Usar o celular, fazer outra coisa enquanto o outro está falando.

- Falar de se si: Como refletimos, a escuta é espaço dado ao outro, então falar da minha história não traz conexão.

- Comparar: As comparações tendem a desconexão. Pois as vivências são diferentes e mesmo quando, achamos ter vivido algo parecido, no momento de escuta, a história importante é a que o outro me traz.

- Aconselhar: Tem o ditado popular que diz que “se conselho fosse bom não seria dado e sim vendido!” dar um conselho pode desconectar da escuta porque insere algo pessoal de quem escuta. O melhor é sempre perguntar se o outro quer e ou precisa ouvir um conselho seu!

- Mudar de assunto: Inserir um novo assunto ( ainda que pense ser parecido) na conversa enquanto o outro conta sua história. Concluindo, ouvir é receber os sons, escutar é utilizá-los. Rubem Alves em seu livro O amor que acende a lua, define lindamente o ato amoroso de escutar: “O que as pessoas mais desejam é alguém que as escute de maneira calma e tranquila. Em silêncio. Sem dar conselhos. Sem que digam: "Se eu fosse você". A gente ama não é a pessoa que fala bonito. É a pessoa que escuta bonito. A fala só é bonita quando ela nasce de uma longa e silenciosa escuta. É na escuta que o amor começa. E é na não-escuta que ele termina. Não aprendi isso nos livros. Aprendi prestando atenção.”

Bruna Perillo Psicóloga clínica, especializada em Gestalt-Terapia, apaixonada pelo desenvolver humano. Desenvolvendo-se. Interessada e envolvida com a promoção da habilidade de Empatia e Comunicação Não violenta. Buscando um mundo mais sustentável e coerente com as necessidades humanas. No caminho, persistindo, procurando, encontrando e co-construindo. Co-criadora da Escola de Empatia, um projeto que visa multiplicar a empatia nos âmbitos emocionais, sociais e ambientais.

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