top of page

O que quebrar um pé pode ensinar sobre os conflitos?


Oi! Tudo bem?

Se você não me conhece, deixe-me apresentar: sou Camila, co-fundadora da Escola de Empatia. Desde 2016 facilito encontros de Comunicação Não-Violenta (CNV) em Belo Horizonte, realizo cursos de Escutatória pelo Brasil e outras conversas sobre empatia. Além disso, sou também psicóloga, arteterapeuta e atendo em meu consultório particular. Adoro estudar psicologia humanista, mediação de conflitos e CNV. Sou uma fazedora de cursos e tenho descoberto que adoro também produzir. Recentemente trabalhei na produção do 1º Festival de Empatia de Belo Horizonte, que foi um sucesso! Sou mãe solo, pratico circo e adoro dançar.

Neste texto, quero contar pra você sobre o dia que quebrei o pé direito e o que tenho aprendido sobre os conflitos desde então.

Um dia depois de quase ser atropelada, quebrei o meu pé direito praticando circo. Supersticiosos podem dizer que “era para acontecer”, mas para mim foi uma resposta ao cansaço e à desatenção decorrente de muitas tarefas diárias.

Pouco depois da queda eu estava tranquila. “Foi só um pé”, dizia para mim mesma enquanto desmarcava meus atendimentos do dia seguinte. Mas no ambulatório, o médico foi bastante claro e específico:

- Você precisa ficar 45 dias sem colocar o pé no chão. Vou te dar um atestado, pois você não poderá sair de casa. Precisa ficar de repouso. Você entendeu?

- Entendi, - respondi - porém acho possível ir trabalhar na próxima semana. Meu trabalho não demanda esforço físico.

- Acho que você não entendeu. – Insistiu o médico, explicando tudo novamente e com mais detalhes.

Eu tinha entendido, somente não estava aceitando. A negação é uma fase típica do luto. Mas não precisou de muito tempo para eu entender o que o médico estava falando. Sentia muita dor e aqui entra o nosso primeiro tópico de aprendizado sobre conflitos:

A dor é o conflito aumentando o volume numa tentativa de se fazer ser ouvido.

Os pés são apoios fundamentais para nossas ações, das mais simples às mais complexas. Sustentam o peso do nosso corpo e nos levam aonde queremos ir. Eu nunca parei para agradecer ou pensar em sua existência, mas o meu pé direito quebrado veio me dizer de necessidades que eu não estava escutando.

Mas afinal, o que é um conflito?

Pesquisando sobre a palavra conflito, encontrei os seguintes significados: choque, embate das pessoas que lutam, discussão, alteração, desordem, antagonismo, oposição, conjuntura, momento crítico. Em outras palavras eu diria que conflitos fazem parte de todo relacionamento entre seres humanos. Por muitas vezes ignoramos, fugimos, ou lutamos contra eles. Contudo, toda relação será conflituosa.

Somos seres complexos e dinâmicos e, ainda que compartilhemos das mesmas necessidades, utilizamos estratégias diferentes para atende-las, ou seja, cada pessoa se comporta de uma forma individual para satisfazer necessidades que são universais. Desta forma, constantemente entramos em conflito, que demarcam nossas diferenças à nível das estratégias.

Os conflitos servem para atualizar as nossas relações, para gerar crescimento e flexibilidade. Sem eles ou ignorando eles, seguiríamos um fluxo de vida contínuo, monótono, autocentrado e solitário. Aqui surge um ponto importante acerca dos conflitos. Em nossa cultura, aprendemos que conflitos são ruins e quando deparamos com um queremos logo resolver, muitas vezes utilizando métodos coercitivos, como a punição e a dominação. Estes métodos são vistos como atalhos, caminhos mais rápidos, mas que na verdade nos trazem consequências que nos atrasam à longo prazo: como relacionamentos de baixa qualidade, pouca conexão e entendimento entre as pessoas.

Se tem uma coisa que aprendi acerca do entendimento entre pessoas, é que uma pessoa mal compreendida se torna repetitiva. Ela repete os mesmos “erros”, as mesmas “reclamações”, os mesmos comportamentos, pois a necessidade de compreensão não é negociável entre seres humanos. Um bebê que não é atendido em seu choro continuará a chorar, cada vez mais alto e forte, até alcançar seu cansaço máximo.

A melhor e mais simples ferramenta para lidar com os conflitos é o diálogo.

Sim, o diálogo é o meio mais seguro e simples para a resolução de conflitos. Porém esta é uma consciência muito recente em nossa sociedade em muitos ambientes: nas famílias, nas escolas e nas empresas. Somente quando conversamos sobre as nossas necessidades e fazemos acordos para alinhar nossas estratégias, é que concretizamos a grande oportunidade de crescimento que os conflitos vem nos trazer.

Por outro lado, quando não escutamos as mensagens que o conflito quer nos comunicar, o conflito pode se tornar um conflito doloroso. A dor de um pé quebrado é a tentativa de aumentar o volume de uma mensagem que precisa ser escutada. E quanto mais não escutamos, mais aumentamos o volume. Um volume simbólico que pode se manifestar como um grito, um silencio, como uma doença, uma depressão, como a ofensa, o xingamento e até mesmo a força física e a transgressão das leis. É de onde nasce a violência.

Venho aprendendo muito com o meu pé quebrado...

A olhar pra onde piso e a dar um passo de cada vez foi um dos primeiros aprendizados. Afinal, preciso ter muito cuidado para não encostar o pé no chão e para não cair. Venho aprendendo a cuidar das partes sadias do meu corpo, a lembrar delas, agradecer por elas. A cuidar também dos machucados, mas a ter ciência de que não são tudo em mim.

Aprendendo a, de fato, fazer pedidos específicos, pois pedir um desodorante pra um menino de 5 anos (meu filho) pode não funcionar tão bem quanto pedir um potinho branco, mais longo que os outros que estão no cestinho rosa do banheiro. Ainda sobre pedidos, tenho vivido na pele que a típica crença de que as pessoas que nos conhecem bem sabem o que queremos sem que a gente precise pedir, não funciona. Se eu preciso de ajuda, preciso pedir. Não serão todos os dias que meu filho irá acordar lavando louça, como no primeiro dia em que quebrei o pé.

Foram cinco dias desde então e sei que ainda há muito para aprender. Sobretudo com conflitos que não podemos solucionar de imediato, que precisam esperar 45 dias. É uma oportunidade muito propícia para praticar algo muito importante na Comunicação Não-Violenta:

Conflitos intrapessoais, interpessoais e sistêmicos abrem o campo do diálogo. Antes de solucionar conflitos, investigue a qualidade das conversas que você tem tido, trabalhe para gerar conexão. Este é o primeiro passo para gerar soluções mais coerentes e que incluem o diverso.

Gratidão pela companhia!

Camila Marques é psicóloga e arteterapeuta. Desde 2011 facilita o desenvolvimento de habilidades socioemocionais através de cursos, oficinas e palestras. É co-fundadora da Escola de Empatia. Estuda, vivencia e compartilha a Comunicação Não-Violenta (CNV).

Nova turma da Oficina de CNV em Belo Horizonte, aos sábados. Inscreva-se.

Instagram: @camilamarquespsicologa

bottom of page