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Cego é o olhar que não percebe


"Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara."

(José Saramago)

Cegueira é denominada uma anomalia que incapacita o sentido da visão. Então cego é aquele que não vê. Ver é uma capacidade biológica dada pelo sistema ocular para captar as imagens a nossa volta. Mas o que quero chamar a atenção é para o olhar em um sentido mais profundo, que, pouco tem a ver com a capacidade biológica de enxergar.

Você conhece o porteiro da escola do seu filho(a), que todo dia o recebe? O do prédio em que você trabalha? Costuma perguntar o nome do caixa do supermercado que passa suas compras? Do restaurante que você almoça frequentemente? Do frentista que abastece seu carro? Do carinha que sempre está na rua do trabalho olhando os carros? Ou essas pessoas são: O porteiro. A caixa. O frentista. O tomador de conta dos carros... E será que eles seriam diferentes se um dia o caixa errar o seu troco? Se o tomador de conta não perceber que alguém arranhou a lataria do carro...será que passariam a ser vistos de outra forma?

O mundo nos induz a todo momento aos apontamentos. Tudo que olhamos é seguidamente encaixado em um “departamento” ou “papel” com seus rótulos e exigências. Olhamos, apontamos, nomeamos! Mas o que estamos vendo? Para onde direcionamos o nosso olhar?

Rubem Alves diz que toda vez que trazemos algo para o mundo das ideias (o pensamento) nós o contaminamos com o que lá já existe, fazendo com que esse algo se perca nas ideias, esvaindo-se da sua essência. Limitando sua forma de existir.

Na maior parte das vezes vemos o comportamento e nos conectamos com isso: “Tal pessoa fez assim”... “Fulano falou assado”.... “Está passando por isso, porque sempre faz do mesmo jeito”... “Se continuar criando seus filhos assim, vai ver no que vai dar! ” E através de como julgamos o comportamento, rotulamos: boa, má, feia, bonita, competente, inteligente... um monte de análises que limitam a essência do que está sendo visto, e que logo me fazem criar uma lista de soluções para justificarem minhas ideias: “Devia fazer assim”... “Por que não fez assado? ”... “Ahhh mas se eu fosse você teria feito desse jeito! ” Soluções milagrosas de quem olha pelo mundo das ideias. Esse movimento impede de nos conectarmos com a pessoa em si, com a sua essência.

É importante construirmos nossas opiniões e também estabelecer nossos julgamentos e valores. O ato de julgar, muitas vezes, é uma ação de segurança, só preciso ter sempre a consciência de que o julgo é meu e não cabe colocá-lo no outro. Pensar que o outro precisar ser e agir como eu denomino “correto” é uma ilusão de me envolver apenas no mundo dos iguais.

Não me disponibilizando a diferença, a não ser que essa diferença se submeta a minha igualdade. “Pensar é não compreender” diz Fernando Pessoa e continua “ O Mundo não se fez para pensarmos nele, (Pensar é estar doente dos olhos), Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo”. A fenomenologia de Husserl, propõe o olhar a coisa em si o olhar descritivo, admirativo, que não cabe o rótulo, a opinião, o julgamento, apenas o fenômeno em essência. O olhar para o que se apresenta, para o quê de fato é!

Carl Rogers diz: "As pessoas são tão belas quanto um pôr do sol quando as deixamos ser. De fato, talvez possamos apreciar um pôr do sol justamente pelo fato de não o podermos controlar. Quando aprecio um pôr do sol não me ponho a dizer: diminua um pouco o tom de laranja no canto direito, ponha um pouco mais de vermelho púrpura na base e use um pouco mais de rosa naquela nuvem. Não faço isso. Não tento controlar um pôr do sol. Olho com admiração a sua evolução. ”

Esse olhar que repara, que compreende, porque não está a pensar, a nomear, a rotular. Esse olhar que quero convidar a ser refletido. O olhar empático! Uma das formas que se conceitua a empatia é a capacidade de ver o mundo com os olhos do outro. É o ato de desenvolvermos a capacidade de ver a pessoa exatamente como ela se apresenta, com os recursos que ela tem e consegue usar naquela situação. Então não é olhar e dizer: “se fosse você teria feito assim”, é olhar e dizer: “Eu compreendo o que está passando, e entendo que o que fez foi tudo que conseguiu fazer diante dessa situação!” Porque olhar com os olhos do outro é exatamente compreender que se eu estivesse, na mesma situação, com os mesmos recursos, com os mesmos valores teria feito exatamente o que ele fez! Me disponibilizar a olhar dessa forma, percebendo o outro, deixando que ele exista em sua completa essência, diferente de mim, não é concordar, não é mudar de opinião, não é ferir meus valores! É olhar para compreender sem encaixar no meu mundo das ideias. Uso das palavras de Otto Lara Rezende, escritor mineiro que convida: “Experimente ver pela primeira vez o que você vê todo dia, sem ver. Parece fácil, mas não é. O que nos cerca, o que nos é familiar, já não desperta curiosidade. ”

Bruna Perillo Psicóloga clínica, especializada em Gestalt-Terapia, apaixonada pelo desenvolver humano. Desenvolvendo-se. Interessada e envolvida com a promoção da habilidade de Empatia e Comunicação Não violenta. Buscando um mundo mais sustentável e coerente com as necessidades humanas. No caminho, persistindo, procurando, encontrando e co- construindo. Co- criadora da Escola de Empatia, um projeto que visa multiplicar a empatia nos âmbitos emocionais, sociais e ambientais.

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