A empatia irá transformar as nossas vidas
“É tempo de empatia”. Nunca dizemos ou falamos tanto frases como estas, mas será que realmente compreendemos a capacidade humana de compreender o mundo do outro? Neste texto irei decorrer sobre pontos essenciais para o entendimento acerca da empatia e também para a sua prática.
Alguns tópicos que veremos são:
- A empatia como uma capacidade humana relacionada a sobrevivência e ao aprendizado.
- A empatia e suas três diferenciações.
- A prática da empatia.
Precisamos da empatia para continuar existindo:
Primeiramente, é importante entender o caráter substancial da empatia. Se um bebê não tiver uma pessoa com a capacidade e disponibilidade de compreender suas necessidades, muito provavelmente ele não irá sobreviver. O bebe humano nasce vulnerável e dependente. Se não houver alguém que escute o seu choro e atenda suas necessidades de alimentação, higiene, afeto... ele não conseguirá fazer isto por si mesmo, do mesmo modo como o bebe de outras espécies de animais que nascem relativamente prontos para o mundo.
Um exemplo. Meu filho adotou uma gatinha chamada Meinha, que foi morar na casa de sua avó. Logo que chegamos lá para conhecer a gata, vimos Meinha se virar incrivelmente bem com os desafios da vida. Ela sabia exatamente aonde ir para fazer suas necessidades, dava um banho de língua em si mesma e já se alimentava sem ajuda. Meinha nasceu apta a seguir os seus instintos de gata.
A aranha nasce pronta para fazer uma teia e a faz repetidamente e perfeitamente para o resto de sua vida. Um menino que aprendeu a tecer quando criança, o fez de modo desajeitado pela primeira vez. Algum tempo de treino foi o suficiente para fazer lindos tapetes, com diversas cores e formas, muito diferente do primeiro que fez!
Isto significa que, como seres humanos, ainda que tenhamos potencialidades, precisamos de outro ser humano para desenvolve-las e muito comumente este modo de aprendizado é pelo viés da observação e experimentação. Assim aprendemos a falar, a andar, a comer. Leva tempo. Pode levar anos para que uma pessoa possa viver sua vida por si mesma, com seus próprios recursos e isto faz de nós seres interdependentes e sociais.
Nosso cérebro se adaptou de tal forma ao longo da nossa história, que deixamos somente de ter o instinto de sobrevivência de caçar e se proteger. Através do sistema límbico, passamos a nos conectar emocionalmente e através do neo-córtex, passamos a ter a capacidade cognitiva de compreender perspectivas, ter empatia, fazer associações, construir novos aprendizados.
Nossos aprendizados nascem da capacidade de empatia. O novo somente pode surgir a partir do olhar para aquilo que não está pronto dentro e mim – daquilo que existe dentro do outro. E foi assim que construímos o mundo como temos hoje.
Mas então, você sabe quais são as três diferenciações da empatia?
Como seres humanos temos o poder da criatividade. Todavia este fluxo parece ser comprometido quando passamos grande parte da nossa vida repetindo padrões automáticos. Pouco nos perguntamos: que diabos estou fazendo? O que eu quero realmente?
Muitos destes padrões que repetimos estão relacionados ao nosso modo de comunicar.
Um padrão muito comum é o de dizer: “Se eu fosse você...”; “Mas isso não é nada, olha só o que aconteceu comigo...”. Em uma cultura que valoriza a competição e estimula o autocentramento, vivemos mergulhados em um mundo que é nosso, em nossa própria perspectiva, opiniões e modo de viver. Assim, deixamos de olhar para o mundo do outro. Voltados para a nossa perspectiva, perdemos a chance de escutar as pessoas e deixamos também de aprender com elas.
Assim, é importante que possamos diferenciar o processo da empatia, com outros processos: simpatia, antipatia e apatia. Estes três processos estão ligados ao modo como somos afetados e nos posicionamos diante do outro. Porém, são processos automáticos e inconscientes.
A simpatia é um processo de identificação positiva com o outro. Utilizamos um sistema rápido, que não passa por nossa consciência e sim por um instinto primitivo de sobrevivência. Quando olhamos para o outro e identificamos características familiares e com as quais nos sentimos seguros, nosso cérebro primitivo se identifica, criamos uma certa afinidade com o outro. Comumente dizemos “Fulano é simpático”.
A antipatia também é um processo automático e inconsciente, porém normalmente acontece quando inconscientemente entendemos que precisamos nos defender, fugir ou combater certa opinião ou pessoa para continuar sobrevivendo.
Tanto a simpatia, quanto a antipatia, são processos de identificação (positiva ou negativa), diante daquilo que é semelhante àquilo que admiramos (simpatia) ou diferente (antipatia).
O mesmo acontece acerca daquilo que escutamos do outro. Nessas duas posturas, simpatia e antipatia, normalmente iremos reagir com julgamentos e comparações. Julgamentos e comparações são idéias que já existem em nós. São crenças que construímos de acordo com nossas vivências passadas. Em ambos os processos estamos a fazer projeções de nós mesmos sob o outro.
Isto se difere da empatia pelo simples fato de que a empatia não está pronta. Ela exige que estejamos presentes diante de cada pessoa e situação. Como veremos adiante, a empatia é uma habilidade que requer atenção, disponibilidade e escuta.
Martin Buber, filósofo israelense, fala sobre estar presente:
“Apesar de todas as semelhanças, cada situação da vida tem, tal como uma criança recém-nascida, um novo rosto, que nunca foi visto antes e nunca será visto novamente. Ela exige de você uma reação que não pode ser preparada de antemão. Ela não requer nada do que já passou; ela requer presença, responsabilidade; ela requer você.”
Por último, a apatia se difere da empatia, pelo simples fato de ser uma postura em que não há o envolvimento emocional com o outro (nem positivo, nem negativo). A apatia pode ocorrer devido a um esgotamento emocional ou até mesmo estresse empático. Assim, numa tentativa de defesa e sobrevivência, a pessoa inconscientemente se protege do envolvimento afetivo.
Isto não somente é prejudicial para a pessoa que vive a apatia, já que somos seres interdependentes e sociais, como também é nocivo para a sociedade.
É corriqueiro, por exemplo, criarmos um processo de apatia pelas pessoas que estão em situação de rua. Mal percebemos, mas nesse processo deixamos de ser afetados com sua situação como uma forma de nos proteger da condição de vê-las e compreender como se sentem. Criamos um processo de apatia com uma série de violências que presenciamos constantemente em nossa sociedade.
Parece que estamos salvos do sofrimento, mas a verdade é que criamos tal desarranjo em nosso sistema de justiça, que constantemente estamos em ameaças de guerras: algumas envolvem armas e sangue, outras envolvem palavras.
Evitamos a empatia porque achamos que empatia é o mesmo que contágio emocional. Na verdade o contágio tem a ver com os dois primeiros processos descritos: simpatia e antipatia. A empatia é a capacidade humana de compreender a perspectiva do outro, sem misturar com a sua própria perspectiva.
Não é possível “estar no mundo do outro”, como dizemos. Mas é possível escutar e compreender o que se passa no mundo do outro. Para isto, precisamos da escuta ativa, um processo que exige muito mais que escutar com os ouvidos, mas com a nossa presença e corporeidade.
A prática da empatia:
Como você avalia a sua habilidade de escutar o outro? O que faz você deixar de escutar alguém no dia a dia? Você percebe quando não está mais escutando? Você percebe quando uma pessoa deixa de escutar você?
Falando-se sobre a prática da empatia, a escuta é uma habilidade essencial. Porém podemos encontrar uma série de bloqueios para realmente escutar o outro: a pressa, a desatenção, o excesso de estímulos... O que prejudica a sua escuta? Por que está cada vez mais difícil dar atenção ao outro?
Fato é que todos nós queremos atenção. Parece que nossos esforços estão, quase todos, no seguinte dilema: “como ganhar a atenção do outro?” e não em “como posso dar mais atenção ao outro?”.
Empatia tem a ver com isso. É quase uma fórmula espaço-tempo, onde ofereço ao outro um espaço dentro de mim através da minha escuta e da minha disponibilidade de tempo.
Para escutar uma pessoa, precisamos mudar o foco de atenção do foco interno, para o foco no outro. Veja bem algumas formas de focar a atenção:
- Foco interno: sintoniza a si mesmo com suas intuições e valores.
- Foco externo: compreensão das regras da realidade contexto local.
- Foco no outro: compreensão do que o outro está vivendo através da escuta e observação.
Nossa cultura valoriza demais o individuo, por isto estamos grande parte do tempo com o foco da atenção em nós mesmos. Concordamos e disseminamos aquilo que queremos que seja real. Criamos bolhas de identificações e nos relacionamos com aqueles que pensam e agem em consonância com o que pensamos e agimos.
Imaginamos uma vida sem ruídos, onde todo mundo fala a mesma língua. Mas a verdade é que as bolhas estão freqüentemente explodindo, pois apesar de falarmos o mesmo idioma, temos experiências, crenças, opiniões que são particulares.
Para escutar é necessário abrir mão dos conceitos que existem neste espaço que é você e estar presente. Estar presente significa que sua atenção estará focada naquilo que está acontecendo.
Acostumamos a viver precipitando, criando soluções, correndo atrás do tempo. A mente que costuma funcionar o dia inteiro, a noite tem insônia e insiste em continuar precipitando e solucionando os problemas. Estamos exaustos. Vivemos um ritmo sem pausa, precisamos ser úteis o tempo inteiro.
Para escutar é preciso praticar o silêncio.
Estar em silêncio diante do outro é olhar para o seu processo em uma postura contemplativa. O mesmo que fazemos diante de um por do sol.
“Um dos sentimentos mais gratificantes que conheço – e também um dos que mais oferecem possibilidades de crescimento para a outra pessoa – advém do fato de eu apreciar essa pessoa do mesmo modo como aprecio um pôr do sol.
As pessoas são tão belas quanto um pôr do sol justamente pelo fato de não o podermos controlar. Quando olho para um pôr do sol, como fiz numa tarde destas, não me ponho a dizer: ‘diminua um pouco o tom do laranja, ponha um pouco mais de vermelho púrpura na base e use um pouco mais de rosa naquela nuvem’. Não faço isso. Não tento controlar um pôr do sol. Olho com admiração a sua evolução.
Gosto mais de mim quando consigo contemplar assim um membro da minha equipe, ou meu filho, ou minha filha, meus netos. Acredito que esta atitude tenha algo de oriental. Para mim, é a mais gratificante.”
(Carl Rogers)
Escutar é adotar uma postura de contemplação e de admiração, mesmo diante do sofrimento. Ver no sofrimento a beleza de um por do sol.
Muitas vezes queremos controlar o sofrimento do outro, dando soluções e tentando encontrar caminhos, porque não conseguimos lidar com o nosso próprio sofrimento. Quando pudermos estar em silêncio com nós mesmos, poderemos estar diante do outro.
Entenderemos que o sofrimento é somente um lado da moeda e que do outro lado existe algo de muito valor. Tanto que, quando perco, dói em mim. O sofrimento é um aviso do meu corpo de que não estou me nutrindo com algo que me é muito importante.
A escuta é o caminho para a compreensão. Compreender é o mesmo que considerar todas as partes de uma comunicação e não apenas uma. O ser humano tende a simplificar o mundo ao invés de esforçar-se e compreender a complexidade.
Por estarmos tão cansados da vida como vivemos, não encontramos a energia necessária para escutar.
Escutar leva tempo e requer energia. A energia que gastamos para realmente focar a atenção no outro, naquilo que é novo, é maior que a energia que uso para resgatar aquilo que já está pronto, que já sei. Daí, escolho ser simpática quando estou muito cansada.
Não é uma fórmula, mas para escutar é necessário: estar disponível, estar presente, silenciar, dar espaço (através do silêncio) e escutar. Depois que escuto sem interromper, posso checar se eu realmente compreendi. Digo:
“Olha, quero saber se realmente compreendi você. Você disse que...” (e aí faço um resumo do que escutei e não sobre o que penso sobre o que escutei. Entende a diferença?).
A escuta humaniza o outro. Vemos o outro por inteiro, com características que respeitamos e outras que não admiramos.
Se pudermos estar diante do outro desta maneira, seremos transformados a cada momento. Pois assim como quando emprestamos um livro, ele não volta o mesmo (podem haver marcas diferentes nas páginas, talvez uma anotação despercebida), quando oferecemos a nossa presença a alguém que solicita nossa escuta, nunca mais seremos os mesmos.
"Escutar é permitir ser transformado." (Dominic Barter)
Camila Marques é psicóloga, especialista em arteterapia e co-fundadora da Escola de Empatia. Mãe do Gustavo e investigadora de necessidades humanas. Estuda a Comunicação Não-Violenta desde 2014 e outras áreas do conhecimento como a Abordagem Centrada na Pessoa. Formada pelo Gaia Education: Design para Sustentabilidade.
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