O impacto que uma liderança cuidadosa teve em mim
Sempre vejo artigos dizendo qual é o papel da “verdadeira liderança” e muitas críticas às práticas de líderes autoritários. Práticas essas que são pouco produtivas ou produtoras de adoecimento. Mas não lembro de ler relatos do quanto uma boa liderança ajudou uma pessoa a crescer. Parece que todos têm apenas a experiência do topo. De saber como é liderar. Mas qual foi a sua experiência enquanto liderado? O que é que sua liderança fez por você que fez diferença em sua vida?
Outro dia encontrei nas redes uma dessas frases clichês que dizia mais ou menos assim: “O verdadeiro líder não é o que manda fazer, mas aquele que consegue despertar no outro o que há de melhor. Não tem a ver com mandar e sim com inspirar” (Acho que estou acrescentando algo ao original). Bom, essa frase me fez lembrar de muita gente, dos dois lados, mas principalmente me fez sentir muita gratidão por uma líder que impactou de forma definitiva minha vida.
Sou de família muito pobre do interior de Minas. Minha mãe era empregada doméstica em São Paulo e engravidou de mim muito jovem. Não conheci meu pai e fui criado a maior parte do tempo por meu avô. Ele criou 11 filhos e um neto para serem trabalhadores, honestos e distantes de qualquer riqueza, pois os “ricos” que encontrou fizeram-lhe muito mal. Para superar uma cultura de pobreza tive contato com várias pessoas que muito me influenciaram, tanto para estudar, como para me amar e acreditar no meu potencial.
Para citar todas essas pessoas, precisaria de um livro. Quem sabe um dia. Porém houve uma dessas que figurou muito forte em minha mente quando li a frase clichê da internet. Essa pessoa foi minha chefe por mais de 5 anos e não sei se ela sabe, mas depois desse tempo trabalhando juntos, sinto-me muito maior do que quando nos conhecemos. E ela teve um papel decisivo no meu crescimento.
A conheci em uma entrevista de emprego no início de 2011. Tinha acabado de terminar o mestrado e saí distribuindo currículos para tentar dar aulas de psicologia em alguma faculdade. Obviamente, se estava ali a ousar isso neste momento, já tinha passado muita gente boa na minha vida. Mas nesta ocasião eu era coragem e medo, e sentia que, se fosse contratado, não poderia colaborar com muito inicialmente.
Fiz a entrevista, uma aula teste e fui chamado para conversar sobre “as disciplinas que eu daria”. Havia um frio na espinha e talvez foi a primeira vez que ouvi uma expressão que ia se repetir muito nos próximos anos: “Ei David, entra aí, vem cá”. Imagina essa expressão acompanhada de um sorriso acolhedor e um olhar muito presente. Eu entrava na sala dela e rapidamente me sentia mais seguro.
Neste primeiro dia, essa líder, que era coordenadora do curso de psicologia, colocou que entre as demandas havia disciplinas que eu gostava, que tinha afinidade, mas que eram diferentes das que tinha dado no estágio de docência na universidade. Foi o momento em que o frio na espinha voltou. E agora? Será que vou dar conta? Será que consigo? Coloquei ali a minha vulnerabilidade e fui surpreendido com apoio: “Vai dar conta sim, eu te ajudo, temos uma professora de áreas próximas que também pode lhe ajudar, pode ficar tranquilo”.
Tranquilidade é um conceito relativo. Não sei se fiquei tranquilo. Talvez mais confiante e sentindo-me verdadeiramente apoiado escolhi enfrentar os novos desafios. Esses, foram os primeiros de muitos, pois durante o tempo de trabalho sob a coordenação dessa chefe eu fui provocado a assumir novas tarefas, desbravar novas áreas e enriquecer minha prática e meus conhecimentos. Sempre com um: “vai, que se precisar eu te ajudo”. E houve vezes que sim, eu precisei de ajuda e encontrei o apoio prometido.
E para responder de forma mais clara o que o título do artigo propõe eu digo que o impacto desse tipo de liderança foi me tornar um professor confiante, mais aberto aos alunos e até ousado. Um psicólogo clínico apaixonado com a psicoterapia. Sim, quando saí do mestrado essa possibilidade estava distante. Mas meu retorno para o trabalho com psicoterapia teve um grande empurrão dessa líder. E por fim assumi um desafio que merece uma explanação a parte: coordenador acadêmico de um curso de pós-graduação.
Tente se colocar no meu lugar. A pessoa lhe chama para conversar e lhe faz um convite: “gostaria que você desenhasse e coordenasse uma Pós em psicologia clínica existencial e humanista pelo nosso instituto”. Nesse momento lhe passa dois pensamentos. 1) eu não consigo construir esse projeto e nem coordenar uma pós. 2) há muita gente muito mais preparada do que eu para essa tarefa... muita mesmo e nós conhecemos.
O resto, pelo que já leu, você já deve desconfiar. Acolhimento com o a minha insegurança, confiança no meu potencial. Uma confiança que naquele momento estava longe de ter, mas que apareceu forte ao ver uma líder que era referência apostando em mim. A partir desse cuidado, senti-me seguro e empolgado com o projeto, por mais surreal que parecesse no primeiro momento. Enfim, mais uma dessas coisas que percebi que podia fazer a partir da crença do outro em mim.
Na primeira aula da Pós eu lembrei dessa líder com muito carinho e gratidão. Senti também algo a mais. Senti que talvez eu possa fazer isso por outras pessoas. Às vezes em sala de aula, às vezes dando uma palestra ou facilitando um grupo, outras supervisionando um profissional. Vira e mexe somos colocados no lugar de referência, quiçá reconhecidos de alguma forma como líderes. E aí, quando isso acontecer, o que vamos oferecer para as pessoas que nos veem dessa maneira?
Em tempos de concorrência cada vez mais intensa com inteligência artificial e máquinas, tem muita gente propondo lideranças mais humanas para desenvolver em nós a nossa própria humanidade. Essa é uma forma de nos mantermos relevantes no mercado de trabalho. Porém, pela própria concepção do que seja “humano” não creio que seja possível chegarmos lá sozinhos. E talvez valha o olhar para trás a fim de reconhecer os encontros que tivemos, para, de forma corajosa, apostarmos nos novos encontros que precisaremos construir.
E você? Conta aí. Qual o impacto que lideranças cuidadosas tiveram na sua vida?
David Romeros é psicólogo clínico e mestre em psicologia pela UFSJ. Professor, palestrante e facilitador de grupos. Coordenador do NEPFEH - Núcleo em Estudos em Psicologias Existenciais e Humanistas do Vale do Aço/MG e da Pós em Psicologia Clínica Existencial e Humanista oferecida pelo NEPSI – Ipatinga-MG
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