Conhece-te a ti mesmo: um convite à autoconsciência
Conhece-te a ti mesmo" é uma importante recomendação de Sócrates.
Daniel Goleman, psicólogo e pesquisador de Havard, nos convida a refletir acerca da autoconsciência no livro Inteligência emocional: A teoria revolucionária que redefine o que é ser inteligente. Ele começa contando uma história:
"Um guerreiro samurai, conta uma velha história japonesa, certa vez desafiou um mestre Zen a explicar o conceito de céu e inferno. Mas o monge respondeu-lhe com desprezo:
- Não passas de um rústico... não vou desperdiçar meu tempo com gente da tua laia!
Atacado na própria honra, o samurai teve um acesso de fúria e, sacando a espada da bainha, berrou:
- Eu poderia te matar por tua impertinência.
- Isso - respondeu calmamente o monge - é o inferno.
Espantado por reconhecer como verdadeiro o que o mestre dizia acerca da cólera que o dominara, o samurai acalmou-se, embainhou a espada e fez uma mesura, agradecendo ao monge a revelação.
- E isso - disse o monge - é o céu."
Você consegue se recordar de algum momento em sua vida em que teve a súbita consciência de estar sendo arrebatado por seus sentimentos? Um momento em que você se percebeu imerso à fúria... É como se estivéssemos reféns de nossas emoções e, assim, é muito frequente nos arrependermos de nossas palavras e ações um pouco mais tarde.
Devido à isto se faz muito importante o desenvolvimento da autoconsciência. Alguns especialistas chamam isto de metacognição, meta estado de espírito ou mesmo metaconversa. Trata-se de estar consciente dos pensamentos e sentimentos no momento em que eles ocorrem. É como ser um observador de si mesmo ou, segundo Sócrates, o estado de ser "dois em um". Sendo dois em um, falamos com nós mesmos.
Esta auto-observação permite justamente a consciência de sentimentos turbulentos. É como um recuo da experiência, um distanciamento que nos permite olhar com mais neutralidade e ponderação acerca do que queremos na presente situação.
Segundo Goleman, é como "sentir uma fúria assassina contra alguém e ter o pensamento auto-reflexivo: 'O que estou sentindo é raiva'". Este pensamento, por si só, não resolve nossos conflitos, mas se define como uma sutil mudança de atividade cerebral que é fundamental para adquirimos o auto controle.
Receio que algumas pessoas pensem acerca do auto controle como extinguir emoções "indesejáveis". Não vejo como algo possível e nem percebo as emoções em categorias desejáveis e indesejáveis. Nossos sentimentos são manifestações do nosso organismo, são sintomas que nos apontam algo muito mais profundo: o que precisamos para a vida florescer.
Alguns sentimentos são mais cômodos, eles acomodam em nós e nos convidam justamente a apreciar o lugar que estamos - existe algo enriquecendo nossa vida! Outros sentimentos são incômodos e nos convidam ao contrário, a caminhar em direção a algum lugar. Eles nos sinalizam a importância de nutrir nossa vida. Assim, se estou tranquila, me ponho a apreciar este lugar, onde minha necessidade de conforto e segurança provavelmente estejam sendo atendidas; mas se estou ansiosa e incomodada, me questiono qual o movimento preciso fazer para atender minhas necessidades.
Somente através do estado de autoconsciência estes movimentos são possíveis. Sem autoconsciência, posso não ter a apreciação dos momentos enriquecedores de minha vida e, em outros momentos, posso cair na armadilha de me posicionar com reclamações infundadas e vitimismo.
É importante esclarecer que a autoconsciência é uma atenção não reativa e não julgadora dos estados interiores. Por tanto, é importante adotar a prática do olhar criativo e não julgador. Vejamos como: Ao invés de dizer: "Por que fui tão desatenta?". Posso dizer: "O que posso fazer para ter mais atenção da próxima vez?".
A criatividade lança um olhar para o futuro! "Como me sinto", "O que preciso" e é diferente do "Por que", que está compromissado com as justificativas do passado, com a culpa. A criatividade parece ser a chave para uma vida mais feliz! Mas isto é tema para um próximo texto.
Até mais!
Camila Marques é psicóloga, especialista em arteterapia e co-fundadora da Escola de Empatia. Mãe do Gustavo e investigadora de necessidades humanas. Estuda a Comunicação Não-Violenta desde 2014 e outras áreas do conhecimento como a Abordagem Centrada na Pessoa. Formada pelo Gaia Education: Design para Sustentabilidade.
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